Limitação de sessões aos tratamentos psicoterápicos pelos planos de saúde
- Luciana Luppi
- 1 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
A ANS através da RN nº 387/2015, determina o número de sessões de algumas coberturas mínimas foram, como as sessões de psicoterapia que passaram de 12 (doze) por ano de contrato para 18 (dezoito).
108. SESSÃO DE PSICOTERAPIA
1. Cobertura mínima obrigatória de 18 sessões, por ano de contrato, quando preenchido pelo menos um dos seguintes critérios:
a. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos neuróticos,
transtornos relacionados com o 'stress' e transtornos somatoformes (CID F40 a
F48);
b. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de síndromes
comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a fatores físicos (CID F51 a F59);
c. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos do comportamento e emocionais da infância e adolescência (CID F90 a F98);
d. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos do desenvolvimento psicológico (CID F80, F81, F83, F88, F89);
e. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos do
humor (CID F30 a F39);
f. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas (CID FIO a F19);
g. pacientes com diagnóstico primário ou secundário de transtornos específicos de personalidade. (CID F60 a F69)." (grifou-se)
Ocorre que os tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração, de
modo que um número tão exíguo de sessões anuais não é capaz de remediar a maioria dos distúrbios mentais. Em outras palavras, essa restrição tão severa de cobertura poderá provocar a interrupção da própria terapia, o que comprometerá o restabelecimento da higidez mental do usuário, a contrariar não só princípios consumeristas, mas também os de atenção integral à saúde na Saúde Suplementar (art. 3º da RN nº 338/2013, hoje art. 4º da RN nº 387/2015).
Nesse sentido, esclarecedor é o seguinte trecho da Solicitação do Conselho Federal de Psicologia para o Rol de Procedimentos da Saúde Suplementar (Ofício n° 0756-13/CRI-CFP, de Brasília, 26 de abril de 2013), que pontua a necessidade de ampliação do número de consultas mínimas para se obter a eficácia de um procedimento psicológico:
"(...)
Considerando esses dados, é válido notar que as pesquisas citadas neste documento descrevem, na maioria das vezes, o número de cobertura mínimo necessário para se obter quaisquer resultado positivos.
Exemplificam-se 16 semanas de tratamento para pacientes com dificuldades pós-puerperais, 12 meses para controlar surtos esquizofrênicos, 2 anos para pacientes cardíacos, entre outros. Os procedimentos psicológicos passam, portanto, peremptoriamente pela quantidade do tempo que o psicólogo e o paciente têm para abordar determinada demanda.
A eficácia de um procedimento psicológico, por enfatizar a relação interpessoal, independentemente da abordagem psicológica, permeia o estabelecimento de aspectos subjetivos como confiança, empatia, vínculo e respeito. O estabelecimento de um limite de tempo, por si só, coloca-se como verdadeiro óbice na construção desses elementos, essenciais para galgar resultados positivos em atendimentos psicológicos na área da saúde. Além de não levar em consideração esses aspectos da subjetividade humana, um limite de atendimentos psicológicos não planejados de forma embasada pelo paciente e o psicólogo pode constituir sérios impedimentos de se alcançar resultados satisfatórios com pacientes com transtornos de personalidade, por exemplo. Há de se considerar, igualmente, que além destes, há vários outros padrões de patologias, cujos prognósticos não são promissores, que demandam atendimento constante e, talvez, ilimitado.
Não bastasse a realidade oferecida pelos planos de saúde distar drasticamente da necessidade da praxe dos profissionais de Psicologia, restringe, ainda, ao número irrisório de doze sessões de atendimento por ano para várias patologias da CID-10. É necessário que se esclareça os motivos de um plano de saúde considerar doze sessões suficientes para tratar de pacientes com diagnóstico de transtorno de desenvolvimento psicológico (CID F 80, 81, 83, 88 e 89), por exemplo. De que modo seria possível auxiliar eficazmente uma criança a superar enurese noturna nesse lapso de tempo? (CID F98).
Essa característica anacrônica dos planos de saúde no Brasil distancia-se, mesmo, dos serviços de saúde pública no país. Dignos de evidência são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que levam devidamente em consideração essa necessidade de não impor limites a atendimentos psicológicos, reconhecendo assim a individualidade de cada usuário do sistema de saúde e as diversas formas que cada patologia pode assumir, a depender do contexto ."
Nesse contexto, cumpre assinalar que a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que é o médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde – quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta (vide AgInt no AgInt no REsp nº 1.622.150/PR, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 18/8/2017, e AgRg no REsp nº 1.533.684/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe 21/2/2017).
De igual maneira, na psicoterapia, é de rigor que o profissional tenha autonomia para aferir o período de atendimento adequado segundo as necessidades de cada paciente, de forma que a operadora não pode limitar o número de sessões recomendadas para o tratamento integral de determinado transtorno mental.
Como é de conhecimento, a integralidade da assistência terapêutica alcança, de forma harmônica e equitativa, as ações e os serviços de saúde preventivos e curativos, inclusive para a saúde mental, implicando atenção individualizada, para cada caso, conforme as suas exigências.
Assim, será abusiva qualquer cláusula contratual ou ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de tratamento psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei nº 8.078/1990), principalmente quando este fez a opção de contratar a cobertura mais ampla possível oferecida pela ré.





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